domingo, 31 de janeiro de 2010

O dia que, enfim, chegou

É irresistível, eu não poderia deixar de registrar uma linha que fosse sobre a apresentação do Metallica ontem à noite no Morumbi. E como qualquer tentativa de relato que eu fizer não conseguirá transmitir uma noção sequer primária, ficam apenas umas breves impressões, resumido comentário deste escriba sobre um show que foi inteiro bom demais da conta.

Foram 2 horas ao longo das quais a banda conduziu o show e o público com maestria, a começar pela ordem das 18 músicas escolhidas (fizemos as contas enquanto vencíamos a pé o caminho do estádio ao carro). Ressalto aquelas nas quais o público respondeu tomando parte no espetáculo. Só o mais estoico fã conseguiria resistir às concentradas doses de Metallica e não integrar aquele coro de 68.000 vozes, que explodiu pela primeira vez no refrão de 'For Whom the Bell Tolls', ainda uma pequena amostra do que viria, mas que já imprssionava.

Aos primeiros acordes de 'Sad but True', que já me deixaram com o coração na boca, pensei 'Agora esse povo não vai deixar passar um verso'. Não deu outra. Troço lindo! (-: E ainda não seria o apogeu. 'Master of Puppets' também empolgou muito. Mas a catarse veio mesmo com 'Enter Sandman'. O coro uníssono, a plenos pulmões, braços agitados, o rox se manifestando, clímax perfeito para encerrar a primeira parte.

Em alguns instantes, igualmente memoráveis, o povo cantou mesmo quando não havia versos a entoar, apenas acompanhando as guitarras. 'Fade to Black' foi um desses momentos. Bonito demais!

Os momentos de êxtase contrastaram com outros em que o público parecia se conter. Foram bem menos pessoas que acompanharam, por exemplo, as 4 músicas do 'Death Magnetic', isso ficou muito evidente, exceção feita (mas não tanto assim!) a 'The Day That Never Comes', que nem acho uma das melhores do álbum. E mesmo nessas ocasiões, ninguém se dispersava, a julgar pela imensa quantidade de pontos luminosos produzidos pelas telas das câmeras digitais em ação e que, vistos de lá das cadeiras, pareciam formar várias constelações em meio à escuridão da pista.

Algumas surpresas cênicas foram reservadas para 'One' e 'Enter Sandman', com pirotecnia e uns lança-chamas que literalmente esquentaram o ambiente. O meu irmão ficou atento às guitarras e contou quantas foram utilizadas ao longo da apresentação, 6 pelo James Hetfield, o Kirk Hammett foi mais modesto, 4 apenas :-P

No bis, a plateia, conhecedora dos shows do Metallica, pediu em uníssono por 'Seek & Destroy'. A banda atendeu o clamor e, novamente, a participação do público, já iluminado pelos holofotes do estádio, impressionou, encerrando bem a noite. Valeu a longa espera desde o show cancelado em 2003. Valeu muito mesmo! (-:

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

E as margens plácidas?

Nesses dias típicos de verão do Sudeste brasileiro, jornais publicam quase aos borbotões a catástrofe urbana. Sobram análises de especialistas, nas quais poucos tocam de fato com o dedo na ferida, também não é essa a preocupação deste post. Mas muito se comenta sobre a invasão das áreas de várzea que ocorreu nesta capital quando se noticia o transbordamento dos rios Tietê e Pinheiros a impedir o trânsito pelas Marginais. Acho engraçado que as matérias relacionem invasão das várzeas só com os grandes rios que cortam a cidade - aqueles dois e também o Tamanduateí, o Aricanduva, o Pirajuçara, basicamente. Ué, e tirando um ou outro corguinho de bairro, tem mais? Cerca de 1500 mais ou menos. E onde estão? Ocultos sob nosso sistema viário e nossas edificações.

Os jesuítas fundaram o tosquíssimo Colégio de São Paulo dos Campos de Piratininga na colina onde hoje está o centro velho, àquela época cercada de um lado por um imenso alagadiço a que deram o nome de Várzea do Carmo, formada pelo sinuosíssomo Tamanduateí. Daquele quase pântano restou-nos a medonha área do Parque D. Pedro II. Do outro lado da colina, corria o rio Anhangabaú, bem embaixo do atual parque que separa de um lado o Theatro Municipal e do outro o edifício da Prefeitura, o Largo do Patriarca e o Mosteiro de São Bento. Ué, mas não há um túnel embaixo do parque? Sim, o rio passa embaixo do túnel, por isso ele é interditado a cada tormenta que desaba sobre a cidade e, quando as bombas não funcionam, a água vai até o teto.

E quem trafega pelas avenidas 23 de Maio e 9 de Julho em geral não sabe que está a passear por cima do Itororó e do Saracura, rios que formam o Anhangabaú e que até o começo do século XX os paulistanos viam fluir por ali. Do ribeirão Pacaembu muitos sabem, por conta do piscinão construído sob a Praça Charles Muller. Mas ninguém conhece o ribeirão Sumaré, que lá está sob a avenida homônima. Causou horror semana passada a inundação do túnel Tribunal de Justiça - como pode, em pleno Itaim! Pois boa parte da Av. Juscelino Kubitschek foi construída sobre o córrego do Sapateiro, que sai do Parque do Ibirapuera em direção ao Pinheiros. Sob a Av. dos Bandeirantes corre o ribeirão da Traição, que por muito tempo foi divisa de São Paulo com o extinto município de Santo Amaro. A lista é grande: Tatuapé, Água Branca, Jaguaré, Direitos Humanos, Cambuci, tudo com avenida por cima. Bexiga, Lavapés, Ipiranga... Opa!

Dia desses passei de carona pela Av. Ricardo Jafet durante uma forte chuva, e acompanhei ao longo do trajeto Museu do Ipiranga - Complexo Maria Maluf a repentina transformação do córrego que acompanha a avenida no caudaloso rio que invadiu as pistas. A proprietária do veículo se assustou quando eu brinquei que seu carro acabara de ser batizado pelo rio da Independência. "Que rio da Independência, o Ipiranga? Aquele do grito de 1822?". Creio que aos moradores da região essa informação não cause espanto algum, mas já perguntei a meu alunos se eles conhecem o famoso regato, as respostas foram quase todas desanimadoras.

Quem atenta à letra do Hino Nacional Brasileiro, não deve fazer a menor ideia de que o Ipiranga de margens plácidas citado no primeiro verso hoje serve de escoadouro a tudo que é tipo de rejeito e tem seu concretado leito espremidíssimo entre as pistas de uma avenida congestionada e eternamente em obras. Francamente! Quando comento lá nas Minas com meus conterrâneos e familiares o que é o rio Ipiranga, o escândalo é inevitável, seguido da decepção.

Fosse este um país sério, fosse esta capital uma cidade séria, haveria um cuidado muito maior em lembrar aos cidadãos o fato importante que ali se deu. Pode discordar o leitor, dizendo que para isso ergueram ali o belíssimo Museu, junto com o Parque da Independência. E por isso vão deixar que o rio se torne uma vala horrível? Pior ainda é o trecho em que ele é margeado pela Av. Tereza Cristina. Terrível! Caberia ali um parque linear? Preservaria a memória do lugar, tornaria mais concreta ao cidadão a velha lição das aulas de História, evitaria que veículos transitassem numa área sujeita a inundação.

Pode esta parecer uma preocupação inútil em um país onde ainda sobram problemas a se resolver (Ah, a via é necessária para os deslocamentos, não se pode tirá-la de lá, como fica o trânsito?). Também não queremos inundações e desabamentos. Será mesmo? Reclamamos que ninguém exige a solução ou arregaça as mangas por pura falta de compromisso com o país, achamos um absurdo a inércia do Poder Público ante o colapso desta metrópole. Gozamos um feriado pelo aniversário da cidade, mas no fundo não nos importamos nem com a sua evolução, nem com as margens plácidas. A experiência passada, ao invés de fonte de aprendizado, é objeto de desprezo. O ciclo é vicioso.

Parabéns, São Paulo. Que doravante tuas comemorações possam ser menos melancólicas.