domingo, 30 de novembro de 2008

Ocasião ou afinidade

Outro dia um aluno veio me consultar sobre a situação do mercado de trabalho para o engenheiro recém-formado que quer se manter fiel à causa e não ceder às tentações para atuar no setor financeiro. Dúvidas de quem assistiu no início do ano a uma grande procura por profissionais de Engenharia no mercado e está para entrar na etapa final do curso, pensando no estágio já como uma garantia de trabalho ao fim da faculdade. "Fico no banco onde sei que vou garantir um salário bacana ou largo tudo e vou para uma empresa de projeto?" A questão é mais velha que andar pra frente e ainda hoje martela na cabeça dos graduandos com bastante freqüência.

Quando eu cursava meu primeiro ano da graduação, alguns professores do curso me disseram que apenas 20% dos engenheiros formados nas últimas turmas trabalhavam na área de Engenharia. Dos 80% restantes, a maioria estava empregada na área financeira. Era uma época pouco promissora para os engenheiros. A economia, apesar do recente Plano Real, em amarga recessão, o governo promovendo corte de investimentos em infra-estrutura - pois, no julgamento de alguns partidos políticos, eram gastos públicos - num país em que o maior cliente, o dono dos maiores projetos de Engenharia é o Estado. Com cada vez menos projetos de grande vulto, as empresas de Engenharia, que tiveram seu apogeu no governo militar, ofereciam escassas vagas e por salários achatadíssimos.

E os motivos que levavam a área financeira receber os engenheiros de braços abertos eram conhecidos e publicados em reportagens sobre mercado de trabalho: raciocínio lógico, facilidade de abstração e de sistematização dos problemas, familiaridade com a matemática, etc etc etc. Talvez por isso a procura pelos cursos de Engenharia tenha resistido ao período de vacas magras.

Numa das empresas em que fiz estágio, um engenheiro com mais tempo de janela do que eu de vida comentou certa vez que, do jeito que a Engenharia andava em baixa, e com o país necessitando cada vez mais de infra-estrutura, veríamos um dia as empresas trazerem engenheiros do estrangeiro para suprir as vagas abertas por falta de profissionais no mercado. O tempo voou e ano passado vivemos a euforia do PAC, dos indicadores sócio-econômicos favoráveis, o país transformado em um grande canteiro de obras. Da noite para o dia, as empresas de Engenharia saíram à cata de profissionais. Os bons tempos da Engenharia voltaram!, ouvi de alguns. Corriam relatos de que várias delas adotaram como alternativa trazer funcionários de seus escritórios no exterior. Por quê? Onde estavam os engenheiros? Boa parte no mercado financeiro, e muitos dos que se propunham a preencher essas vagas não tinham boa formação técnica segundo os avaliadores. Curiosamente, no entanto, não vi comentarem algo que ainda era um problema, os salários oferecidos, que apesar da substancial melhora, continuavam desinteressantes frente às objetáveis condições de trabalho que os engenheiros sabem vigorar no ambiente corporativo.

Quem estabelece diretrizes na vida apenas no sentido de ganhar o máximo de dinheiro possível tem como problema nessa vã tarefa identificar corretamente a "crista da onda", quando ela vem, de que direção virá, ou seja, qual o caminho mais fácil a se percorrer. Encerramos 2008 com uma pulga atrás da orelha sobre até que ponto o festejado desempenho econômico do país será prejudicado pela retração da economia de alguns dos nossos primos ricos. Continuará chovendo na horta do engenheiro?

A economia tem altos e baixos, e assim também é nosso mercado de trabalho. Particularmente acho muito arriscado a gente se orientar por sombra de avião, mudanças sempre ocorrem, e temos de estar bem preparados para quando elas chegarem. Uma boa formação é um dos pontos que nos auxilia. E, convenhamos, nas instituições de ensino de excelência não são poucos os apertos, sobram perrengues, mesmo fazendo o curso do qual gostamos. O que não deve ser passar esses apertos num curso que não nos seduz em nada?

Expliquei todos esses parágrafos há uns dias para outro aluno, de início de curso, que estava inseguro sobre por qual dos cursos da área de Eng. Civil optar lá na faculdade no fim deste semestre. Pergunta básica: "Você sente que tem mais afinidade com qual dos dois cursos?". Recebi um balde de água gelada: "Na verdade com nenhum deles, eu queria mesmo era ser administrador, meu sonho é atuar no mercado financeiro, mas entrei na Engenharia porque meu pai exigiu, disse que era a forma mais garantida de eu trabalhar no que eu queria. Então, professor, o que me aconselha?"

Garçom, por favor traz mais uma no capricho, que essa conversa ainda vai rolar por muitos, muitos anos ainda...

domingo, 9 de novembro de 2008

Tarefas gostosas... mas e tempo pra elas?

Esta minha geração, coitada, tá danada. A despeito dos tão festejados indicadores de aquecimento da economia nacional - sim, até a crise chega com atraso por aqui - uma parcela considerável de meus contemporâneos ainda corta um dobrado para conseguir emprego, em geral por conta da má qualificação - o crescente degringolar da educação e de nossos educandos é assunto pra outro post. Ao mesmo tempo, quem está empregado sofre com a famosa "correria", falta de tempo, excesso de trabalho, estresse, estafa, seja por não se encontrarem profissionais gabaritados para contratação, seja por abuso do empregador, ou mesmo por efeito desse discurso falacioso de que o homem moderno não pode perder tempo e outras bobagens similares que se tornaram dogma.

É sobre uma das perdas impostas aos pertencentes a esse segundo grupo, os "fagocitados pelo sistema", que quero falar rapidamente. É um luxo hoje o cidadão poder, no horário do almoço, ir em casa fazer sua refeição, preparada do jeitinho que ele gosta, sem falar da economia que isso proporciona. Se isso já está ficando difícil, raríssimos são os que reservam um tempinho para se aventurar na cozinha.

Não sou bom cozinheiro, meu referencial é muito viesado, minha mãe é ótima cozinheira, minha avó cozinhava bem, tias idem, meu pai também não faz feio - quem mandou vir ao mundo no seio de uma típica família mineira. Mas eu me arrisco na cozinha, e gosto. Reconheço que não vou além do trivialíssimo - ah, sim, em Minas couve se inclui no trivialíssimo - até porque não sou aficcionado por pratos requintados, um mexidão* bem feito já me aguça o apetite. Mas há aqueles dias em que a inspiração, para o bem ou para o mal, te sugere umas estripulias. Raras vezes, por exemplo, me propus a cozinhar feijão, com resultados que em nada apeteceram. Em compensação me dá prazer descobrir um truque novo num prato absolutamente corriqueiro, como um tempero diferente, uma combinação inédita ou em proporção mais ousada.

Infelizmente é só nos finais de semana que consigo tempo para pilotar o fogão. E hoje, enquanto picava a cebola, relembrei de como preparar a comida é uma boa higiene mental. Descascar, cortar, picar, ralar, socar, dosar, misturar, você pratica a matemática e a coordenação motora enquanto se distrai. E evita a comida de plástico dos shoppings abarrotados aos domingos. É claro que cozinhar para uma família imensa diariamente é tarefa pesada, mas não é o caso de quem mora sozinho, ou apenas com a(o) esposa(o).

São hábitos que nos fazem bem, mas que, por não combinarem com a pressa crônica de nossa época, são abandonados. Dia desses vi um documentário sobre quituteiras do interior do país, como é assustadora a nós, que por pressa usamos microondas para esquentar um copo d'água, a paciência que elas dedicam àquele momento, ciosas de que cada etapa exige seu tempo certo, a colher de pau mexendo em lentas rpm, arte aprendida e aperfeiçoada ao longo da vida.

Algumas tarefas que nos fazem bem exigem tempo. A natureza, em vários de seus processos úteis ao Homem, da mesma forma o exige. É um aprendizado que teimamos em jogar fora mas que, me incluo na lista, precisamos revalorizar.

(*) Em família, é também chamado de mexidinho. Aos que não conhecem essa iguaria, descrevo-a com as palavras do viajante inglês Richard Burton, que a experimentou de passagem por Lagoa Dourada em 1867 e registrou em seu livro: "é a denominação burlesca de um prato (composto de) carne, arroz, feijão, farinha e outras coisas, tudo misturado e comido com colher". Deve ser a mais antiga referência bibliográfica sobre o mexidão.