segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

E as margens plácidas?

Nesses dias típicos de verão do Sudeste brasileiro, jornais publicam quase aos borbotões a catástrofe urbana. Sobram análises de especialistas, nas quais poucos tocam de fato com o dedo na ferida, também não é essa a preocupação deste post. Mas muito se comenta sobre a invasão das áreas de várzea que ocorreu nesta capital quando se noticia o transbordamento dos rios Tietê e Pinheiros a impedir o trânsito pelas Marginais. Acho engraçado que as matérias relacionem invasão das várzeas só com os grandes rios que cortam a cidade - aqueles dois e também o Tamanduateí, o Aricanduva, o Pirajuçara, basicamente. Ué, e tirando um ou outro corguinho de bairro, tem mais? Cerca de 1500 mais ou menos. E onde estão? Ocultos sob nosso sistema viário e nossas edificações.

Os jesuítas fundaram o tosquíssimo Colégio de São Paulo dos Campos de Piratininga na colina onde hoje está o centro velho, àquela época cercada de um lado por um imenso alagadiço a que deram o nome de Várzea do Carmo, formada pelo sinuosíssomo Tamanduateí. Daquele quase pântano restou-nos a medonha área do Parque D. Pedro II. Do outro lado da colina, corria o rio Anhangabaú, bem embaixo do atual parque que separa de um lado o Theatro Municipal e do outro o edifício da Prefeitura, o Largo do Patriarca e o Mosteiro de São Bento. Ué, mas não há um túnel embaixo do parque? Sim, o rio passa embaixo do túnel, por isso ele é interditado a cada tormenta que desaba sobre a cidade e, quando as bombas não funcionam, a água vai até o teto.

E quem trafega pelas avenidas 23 de Maio e 9 de Julho em geral não sabe que está a passear por cima do Itororó e do Saracura, rios que formam o Anhangabaú e que até o começo do século XX os paulistanos viam fluir por ali. Do ribeirão Pacaembu muitos sabem, por conta do piscinão construído sob a Praça Charles Muller. Mas ninguém conhece o ribeirão Sumaré, que lá está sob a avenida homônima. Causou horror semana passada a inundação do túnel Tribunal de Justiça - como pode, em pleno Itaim! Pois boa parte da Av. Juscelino Kubitschek foi construída sobre o córrego do Sapateiro, que sai do Parque do Ibirapuera em direção ao Pinheiros. Sob a Av. dos Bandeirantes corre o ribeirão da Traição, que por muito tempo foi divisa de São Paulo com o extinto município de Santo Amaro. A lista é grande: Tatuapé, Água Branca, Jaguaré, Direitos Humanos, Cambuci, tudo com avenida por cima. Bexiga, Lavapés, Ipiranga... Opa!

Dia desses passei de carona pela Av. Ricardo Jafet durante uma forte chuva, e acompanhei ao longo do trajeto Museu do Ipiranga - Complexo Maria Maluf a repentina transformação do córrego que acompanha a avenida no caudaloso rio que invadiu as pistas. A proprietária do veículo se assustou quando eu brinquei que seu carro acabara de ser batizado pelo rio da Independência. "Que rio da Independência, o Ipiranga? Aquele do grito de 1822?". Creio que aos moradores da região essa informação não cause espanto algum, mas já perguntei a meu alunos se eles conhecem o famoso regato, as respostas foram quase todas desanimadoras.

Quem atenta à letra do Hino Nacional Brasileiro, não deve fazer a menor ideia de que o Ipiranga de margens plácidas citado no primeiro verso hoje serve de escoadouro a tudo que é tipo de rejeito e tem seu concretado leito espremidíssimo entre as pistas de uma avenida congestionada e eternamente em obras. Francamente! Quando comento lá nas Minas com meus conterrâneos e familiares o que é o rio Ipiranga, o escândalo é inevitável, seguido da decepção.

Fosse este um país sério, fosse esta capital uma cidade séria, haveria um cuidado muito maior em lembrar aos cidadãos o fato importante que ali se deu. Pode discordar o leitor, dizendo que para isso ergueram ali o belíssimo Museu, junto com o Parque da Independência. E por isso vão deixar que o rio se torne uma vala horrível? Pior ainda é o trecho em que ele é margeado pela Av. Tereza Cristina. Terrível! Caberia ali um parque linear? Preservaria a memória do lugar, tornaria mais concreta ao cidadão a velha lição das aulas de História, evitaria que veículos transitassem numa área sujeita a inundação.

Pode esta parecer uma preocupação inútil em um país onde ainda sobram problemas a se resolver (Ah, a via é necessária para os deslocamentos, não se pode tirá-la de lá, como fica o trânsito?). Também não queremos inundações e desabamentos. Será mesmo? Reclamamos que ninguém exige a solução ou arregaça as mangas por pura falta de compromisso com o país, achamos um absurdo a inércia do Poder Público ante o colapso desta metrópole. Gozamos um feriado pelo aniversário da cidade, mas no fundo não nos importamos nem com a sua evolução, nem com as margens plácidas. A experiência passada, ao invés de fonte de aprendizado, é objeto de desprezo. O ciclo é vicioso.

Parabéns, São Paulo. Que doravante tuas comemorações possam ser menos melancólicas.

Um comentário:

Daniel Caetano disse...

ROX.
E não tá grande.