sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Os frutos de cada estação

A tarde de hoje seguia modorrenta e a reunião apática. Durante o providencial intervalo para o café, tomei a esmo uma das revistas de variedades dispostas sobre a mesinha de centro da recepção. Interessei-me ao ver que um dos artigos era assinado por uma amiga, que expôs em algumas linhas o que significou pra ela chegar aos 30 anos. Nada do tom jocoso com os clichês relativos às preocupações femininas nessa etapa da vida, nada da sutil amargura por não ter realizado os planos que almejara em sua adolescência. Ela registrava apenas o doce sabor do contínuo aprendizado do qual só nos damos conta vivendo cada fase da vida.

A reunião terminou e pude conferir os sms que recebera durante a tarde cinzenta. Em um deles, um amigo lembrou-me de uma troça dos nossos tempos de graduação, tempos esses não tão distantes assim, não sou tão velho quanto o uso do substantivo troça pode sugerir ao leitor. Como não entendi a brincadeira na hora, perguntei do que se tratava, ao que ele me respondeu estar apenas relembrando "os bons(?) tempos". Cogitei em escrever de volta "É, bons tempos que não voltam mais", mas a remeter-lhe um lugar-comum, melhor seria recolher-me ao silêncio. O diabinho sugeriu-me "Como assim bons se era uma dureza só?", o que me pareceu meio egocêntrico. Julguei que um simples "Ah, meu amigo, eram bons tempos" expressaria, na brevidade de um sms, o sentimento de que, não obstante as adversidades e as angústias, ganhamos muito e desfrutamos o que, dentro do possível, tivemos vontade.

Ao chegar em casa, notei na caixa de correio uma resma de papeis à minha espera. Em meio às corriqueiras contas a pagar, muita propaganda de candidatos a deputado. Embora já tenha definido em qual candidato à Assembleia votar no próximo domingo, resolvi ler os dois folhetos que relatavam a atuação dos candidatos na atual legislatura. Nisso me detive em frente à minha porta, santinhos à mão esquerda, chaveiro na direita. Despertei daquilo com passos vindos da escada. O vizinho chegou e ainda me viu entretido com os santinhos. "Então abarrotaram sua caixa também?", "Eles precisam dar um fim nisso até amanhã, não é?", "Mas esse inferno termina domingo". Concordei com um "Graças a Deus!", e na hora atentei para meu equívoco. Em outros tempos, também não tão distantes assim, era um anseio de quase todos no país que vivêssemos o clima de uma campanha eleitoral, as discussões abertas, o questionamento de propostas e, principalmente, a livre escolha de nossos representantes. Não havia a profusão de santinhos, contudo vivia-se sob outras restrições.

Os 30 anos são piores que os 20? A vida universitária é boa se comparada à fase pós-formatura? As campanhas eleitorais são intoleráveis a ponto de darmos "Graças a Deus" quando se encerram? Não podemos nos esquecer de que cada época nos reserva asperezas, assim como cada estação seus frutos. Aproveitemos, pois, o fruto que ora colhemos, obtido a partir de um semear de muito sacrifício.

Um comentário:

Patricia disse...

É isso aí, Lud. Não muito tempo atrás comentava com um amigo meu que passa por fase nostálgica: Não adianta ficar pensando em antigamente. Façamos novas viagens, façamos novas escolhas. O passado já foi e foi bom. O presente é. E é bom também.