domingo, 9 de novembro de 2008

Tarefas gostosas... mas e tempo pra elas?

Esta minha geração, coitada, tá danada. A despeito dos tão festejados indicadores de aquecimento da economia nacional - sim, até a crise chega com atraso por aqui - uma parcela considerável de meus contemporâneos ainda corta um dobrado para conseguir emprego, em geral por conta da má qualificação - o crescente degringolar da educação e de nossos educandos é assunto pra outro post. Ao mesmo tempo, quem está empregado sofre com a famosa "correria", falta de tempo, excesso de trabalho, estresse, estafa, seja por não se encontrarem profissionais gabaritados para contratação, seja por abuso do empregador, ou mesmo por efeito desse discurso falacioso de que o homem moderno não pode perder tempo e outras bobagens similares que se tornaram dogma.

É sobre uma das perdas impostas aos pertencentes a esse segundo grupo, os "fagocitados pelo sistema", que quero falar rapidamente. É um luxo hoje o cidadão poder, no horário do almoço, ir em casa fazer sua refeição, preparada do jeitinho que ele gosta, sem falar da economia que isso proporciona. Se isso já está ficando difícil, raríssimos são os que reservam um tempinho para se aventurar na cozinha.

Não sou bom cozinheiro, meu referencial é muito viesado, minha mãe é ótima cozinheira, minha avó cozinhava bem, tias idem, meu pai também não faz feio - quem mandou vir ao mundo no seio de uma típica família mineira. Mas eu me arrisco na cozinha, e gosto. Reconheço que não vou além do trivialíssimo - ah, sim, em Minas couve se inclui no trivialíssimo - até porque não sou aficcionado por pratos requintados, um mexidão* bem feito já me aguça o apetite. Mas há aqueles dias em que a inspiração, para o bem ou para o mal, te sugere umas estripulias. Raras vezes, por exemplo, me propus a cozinhar feijão, com resultados que em nada apeteceram. Em compensação me dá prazer descobrir um truque novo num prato absolutamente corriqueiro, como um tempero diferente, uma combinação inédita ou em proporção mais ousada.

Infelizmente é só nos finais de semana que consigo tempo para pilotar o fogão. E hoje, enquanto picava a cebola, relembrei de como preparar a comida é uma boa higiene mental. Descascar, cortar, picar, ralar, socar, dosar, misturar, você pratica a matemática e a coordenação motora enquanto se distrai. E evita a comida de plástico dos shoppings abarrotados aos domingos. É claro que cozinhar para uma família imensa diariamente é tarefa pesada, mas não é o caso de quem mora sozinho, ou apenas com a(o) esposa(o).

São hábitos que nos fazem bem, mas que, por não combinarem com a pressa crônica de nossa época, são abandonados. Dia desses vi um documentário sobre quituteiras do interior do país, como é assustadora a nós, que por pressa usamos microondas para esquentar um copo d'água, a paciência que elas dedicam àquele momento, ciosas de que cada etapa exige seu tempo certo, a colher de pau mexendo em lentas rpm, arte aprendida e aperfeiçoada ao longo da vida.

Algumas tarefas que nos fazem bem exigem tempo. A natureza, em vários de seus processos úteis ao Homem, da mesma forma o exige. É um aprendizado que teimamos em jogar fora mas que, me incluo na lista, precisamos revalorizar.

(*) Em família, é também chamado de mexidinho. Aos que não conhecem essa iguaria, descrevo-a com as palavras do viajante inglês Richard Burton, que a experimentou de passagem por Lagoa Dourada em 1867 e registrou em seu livro: "é a denominação burlesca de um prato (composto de) carne, arroz, feijão, farinha e outras coisas, tudo misturado e comido com colher". Deve ser a mais antiga referência bibliográfica sobre o mexidão.

3 comentários:

Anônimo disse...

Huahuahua...
Engraçado vc falar do feijão.
Depois de aprender a fazer feijão bom (pro meu paladar) com feijão de cesta básica, estou "lutando" com o feijão de boa qualidade. :P
Não consegui ainda fazer com que ele fique inteirinho. Em compensação, o caldo dá até gosto. :)

Qualquer hora a gente troca umas idéias sobre isso. :)

PS: E, gozado, parece que a proporção de homens que se metem na cozinha vez ou outra se manteve ao longo do tempo, mesmo com a correria.

Patricia disse...

Confesso que a cozinha não é meu habitat natural. Até porque a correria do dia-a-dia não permite, não é mesmo? Estou deixando de fazer parte do segundo grupo e vou fazer parte de um terceiro: o dos que decidiram levar a vida com menos pressa, embora isso acarrete (bem) menos dinheiro também.

Ah, depois te ensino uns truques para deixar o feijão gostoso =) Eu faço uma vez a cada 6 meses, mas não tem erro! rs

Anônimo disse...

Poxa, descascou, cortou, picou, ralou, socou, dosou, misturou e não convidou pra almoçar na sua casa :-).... he h hehe he h

Abraço Maninho,

Se precisar de alguém pra fazer o churrasco, estou a disposição

Leandro